quinta-feira, março 25, 2010

O sapato cor-de-rosa.

Meio-dia e um de um dia quente e nublado.
Trânsito confuso.
Era um corpo estendido no chão em plena avenida Catalão.
Uma lona plástica e preta cobria o corpo ainda quente e só me permitia ver os sapatos.

Era um par de sapatos simples e cor-de-rosa.
Rosa velho. Um branco sujo de rosa.
Traziam uma elegância simples, legítima.
Um esboço de romantismo.
Sapatos desta cor devem pertencer a alguém que sonha, constrói castelos, espera unicórnios e talvez imagine bicórnios.

Aquela imagem ainda está em mim. O retrato da impermanência.
A prova material da transitoriedade.
Acordara naquela manhã e calçara os sapatos. Saiu e não chegou ao seu destino.

Será que um outro alguém a esperava? Será que tinha aquilo que se chama de lar? Será que foi amada? Será que amou?
Teria sonhos? Viu o mar? Conhecia Veneza? Será que leu A hora da estrela?
Será que foi feliz? Será que fez alguém feliz? Gostava de passarinhos? Teria um jardim? Teria sentido uma gota de chuva gelada em sua nuca quente? Esperaria pelo vento?
Será que viu o céu cinzento? Tomou café aquela manhã?
O que viu ao tentar atravessar a rua?
E se fosse eu? O que teria feito antes da vida parar?

Apenas sei que ela nunca mais voltaria para casa e que seus sapatos eram algodão-doce desbotado, singelos demais para o dia em que por mais que se tente o coração já não responde porque já não pode ouvir.
Desejo que tenhas sido feliz.