segunda-feira, novembro 28, 2005

Eu posso mostrar a língua

Quarta-feira quando cheguei em casa - na verdade já era madrugada de quinta - tinha um recado engraçado na secretária eletrônica. Um convite para um almoço no sábado. Frango assado e farofa na cobertura de uma amiga que durante alguns anos dividimos intensamente a vida. O pensamento pedia as lembranças e fui dormir recordando.
Quinta-feira liguei para confirmar o convite. Ficamos meia hora rindo ao telefone, quase sempre foi assim.
À noite fui a dois shoppings - aniversários amáveis, casamentos encontros, e o natal... Prefiro me antecipar. Na companhia de Norma Lúcia debochei de tudo, inclusive de nós mesmos, era inevitável... As pessoas ainda se espantam, talvez seja por causa dos nossos óculos, talvez por causa do colar pink de contas gigantes de Norminha... nada que uma boa língua pra fora seguida de uma gargalhada não resolva. Às vezes é preciso desconcertar olhares estranhos, ficam sem saber onde afundar a opinião. Como disse a sobrinha da Cris: - Cada um na sua, vovó... mas os freqüentadores TFP [tradição, família e propriedade] de shopping center têm dificuldade.
Depois de uma visão estranha [tempos atrás seria familiar, mas é estranha, pois é vazia de sentimentos e se é vazia, não existe, casca vazia de cigarra, já foi] através de uma vitrine entendi o recado do senhor do destino: era só para lembrar que sou mais vivo, intenso, livre, melhor do que jamais fui. Deixei o estranhamento para trás, Norminha me abraçou e saí cantando internamente: I´m free to do what I want...
Comemoração - sorvemos densos milk shakes de Ovomaltine e entre uma sugada e outra ataques de riso. Doce para amenizar a acidez crítica.
Final da noite na Savassi. Novamente os jogos dos quais já não estou disposto. É verdade que gosto do espanto da sedução. Porém o período é sabático, fiquei monossilábico, aliás, não quero falar de mim, eu que mal sei o seu nome e nem quero saber de gente ficção. Qual é a sua realidade?
Eu não quero raquetes imaginárias, meu jogo é real.
O almoço de sábado chegou. Almoço aconchegante.Chovia torrencialmente. Atrasos e a confusão de sempre.
Cerveja gelada, o pensamento ansiosamente virando palavras que fugiam atropelando umas as outras, no caos o entendimento.
A sensação é de que o tempo passou muito rápido. Algumas coisas se apagaram. Minha amiga tem dois filhos lindos. A vida seguiu rumos diferentes, mas a cumplicidade e fidelidade apesar de tudo permanecem.
Agora a sensação é de contentamento... qualquer coisa eu mostro a língua.

quarta-feira, novembro 23, 2005

Enceradeira na existência

Hoje acordei antes do despertador, bem antes. Ando lutando contra a escassez.
Já estou vivendo o tumulto do final de ano.
Estou enjoado. Eu enjôo fácil. Enjôo existencial não tem Plasil que cure.
Vontade de virar urso e hibernar. É fuga eu sei, mas é um esconderijo seguro.
Quando enjôo preciso ficar sozinho. Eu, a gata, as flores, as músicas, os livros, a cama.
Eu preciso de certos requintes.
Tento ter cuidado para não virar porco espinho, às vezes escapa. Eu não sei fingir. Os amigos já sabem. Período sabático.
Cortei o cabelo. Sempre alivia. Norma Lúcia também cortou e tivemos breves surtos de felicidade instantânea. A alegria de Norma Lúcia passou. A minha com o cabelo permanece, mas me perco no tumulto.
A notícia me perturbou.
Um passarinho foi morto com um tiro de rifle na Holanda. Ele derrubou vinte e três mil peças de dominó entre não sei quantas milhões de peças montadas para serem derrubadas ordenadamente na tentativa de se bater um recorde. Fiquei imaginando a brutalidade. Amsterdã é um lugar interessante, bacana. No inverno parece um desenho do Snoopy com todos aqueles canais congelados e crianças patinando no gelo ouvindo música clássica.
As pessoas precisam estar munidas de rifles para montarem dominó em um estádio?
Não poderiam simplesmente espantar o passarinho e remontar o estrago? Eu não acho que passarinhos sejam apenas animais, pra mim se enquadram em uma categoria mais divina, encantada. Era só um passarinho distraído, poderia ser eu ou qualquer um.
Às terças feiras as marcas do meu assoalho desaparecem à medida que a enceradeira desliza sobre ele. De longe só se enxerga o brilho. De perto os arranhões mais profundos podem ser vistos.
Eu queria uma enceradeira na existência.

terça-feira, novembro 15, 2005

Feriado em família

Domingo eles chegaram.
A última vez que nos vimos foi no dia dos pais. Eu sempre aproveito o cansaço e vou empurrando os encontros, mas isso sempre me causa incômodo. Um incômodo onde se situam minhas raízes.
O apartamento fica mais vivo. Sentimentos, lembranças, aromas, delícias, graça, palavras por todos os cantos, cumplicidade.
Um passeio que poderia ser muito bobo e é, mas foi para sempre. A torre do Alta Vila. Assim como quando fomos ao cinema assistir Central do Brasil. Instantes em que me sinto privilegiado e que o mundo poderia explodir no minuto seguinte.
Há 14 anos não moramos mais juntos, desde então tento fazer com que cada reencontro seja único.
Uma certa insanidade nos rege, nos une e a mim particularmente, fortalece. Às vezes passo horas a lembrar da minha infância. Pensando em tudo o que fizeram e deixaram de fazer por mim. E não foi pouco... sou o filho caçula. Sim, eu fui e ainda sou mimado, mas não se preocupe, não sou estragado.
Assistimos ao dvd: Os Aspones. Minha mãe achou bobo, mas riu, meu pai mais moderno, gostou. Meu irmão se alternava entre risos e cochilos. Eu gosto muito.
Fomos a diversos lugares. Da Far East ao Mercado Central.
Eu não trocaria estes dias por nada.
E porque sei que um dia tudo isso vai acabar, abre-se um abismo no meio do meu peito. O tempo não dá uma trégua.
Hoje a tarde voltaram para o endereço que repeti exaustivamente durante muito tempo da minha vida, o endereço para onde sempre volto e me acho.
Amanhã tudo volta ao seu lugar, por hora talvez Adélia Prado me conforte.

p.s.:Fernanda, obrigado por tanto carinho e pela homenagem, um luxo.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Personagens de um domingo cinzento

Adoro acordar e ver o dia cinzento.
Acho engraçado quando o homem [ou a mulher] do tempo diz na tv a previsão: - ... tempo ruim. Tempo ruim para que ou para quem? Para mim poderia ser anunciado assim:
_ um dia nublado e chuvoso, aproveite! Ontem foi assim.
Café quente, bolo de laranja, pão de queijo. Café da manhã aos domingos é quase um ritual e rituais me humanizam.
Na seqüência um filme. O que revelou Audrey Tautou - Instituto de Beleza Vênus. Um filme de 1998, mas que só agora consegui assistir. Leve, divertido, sensível. Vencedor de 4 prêmios César.
... O amor é só mais uma das muitas formas de se perder a liberdade... é o discurso da personagem central, às vezes concordo, mas com o tempo acabo me rendendo. Eu sei inventar regras, mas também sei ignora-las.
Banho quente. Almoço em ótima companhia. E depois um divertido desfile. Vejo sempre as mesmas pessoas e as novas que surgem. A vida é um acúmulo de gentes personagens. Algumas entram, outras nunca fizeram parte. Figurantes do meu filme real, mas sempre ali [cada um com a sua máscara, alguns se perdem em seus papéis, já não sabem ao certo quem são]. Há também pessoas recentes, aquelas que eu mal consigo lembrar os nomes. Às vezes esqueço nomes do passado, é necessário. Tenho interesse em guardar alguns, levar para futuros dias cinzentos.
Não consegui ver tudo. Era preciso mais uns dois pares de olhos, só com um par estava difícil. Muita informação.
As pessoas me confundem. São muitos os jogos e alguns já não estou disposto.
A tarde [em um café] passou regada a Heineken, imitações de beetlejuice, gargalhadas, família fofs, invenções de pactos dominicais, beijos performáticos e os olhos brincando de escravos de Jó. Esqueci os dentes de beetlejuice e me concentrei nos olhos, enormes e pretos. Mais tarde meus amigos prepararam um delicioso jantar [não era mingau nem sopa] e no meio do jantar, nossa amiga Norma Lúcia fez um topless, dançou liberta de sutiã e pudores. A personagem mais autêntica, insana e divertida deste domingo.
Hoje o dia amanheceu cinzento e na minha cabeça o olhar intenso e inesquecível de beetlejuice...

p.s. : obrigado a Isabela e Fernando pela ajuda indispensável neste blog e a todas as visitas e comentários.