terça-feira, março 28, 2006

O Jardim - parte 1

Eu já estava sentindo falta , aliás eu sempre sinto falta de alguma coisa ou de alguém. No meu quebra-cabeça sempre falta [ou sobra] alguma uma peça.
Falta de escrever aqui. Os poucos leitores que ainda me restam são fiéis, encantadoramente ainda fiéis.
Eu poderia dizer que não estou escrevendo por vários motivos, falta de tempo, acúmulo de trabalho... mas o real motivo é que resolvi cuidar do meu jardim.
Tudo começou com a idéia de um colchão novo [não, não comprei o colchão de visco espuma da NASA]. Não sou dado a impulsos consumistas, inclusive ando militando internamente pelo consumo consciente.
Percebi que só o colchão não bastaria e a partir daí foram dias e mais dias de garimpagem deliciosamente árdua. Descobri lugares e pessoas túneis do tempo [achei Gigi que sabe declamar a abertura de Perdidos no Espaço, momento inesquecível].
Saudosismo e melancolia de um tempo que pouco conheci.
O quarto ainda não ficou pronto. O processo é lento, ainda falta muito.
Resolvi revirar tudo - os móveis, as fotos, as roupas, as cartas, os bilhetes, as agendas, os cadernos, os escritos, os perfumes, os livros, as revistas, os arquivos, as tintas, a secretária eletrônica, as paredes, os vasos, as luzes, as flores, as músicas, os filmes... Resolvi revirar o apartamento e a vida inteira.
O último domingo passei organizando todas as cartas e bilhetes [um luxo do século passado]. Dane me disse ao telefone que isso não era uma tarefa para um domingo, o mundo poderia acabar e adivinhou o modo como eu estava armazenando tudo. Separei tudo por um critério muito meu, amarrei os montes com fitas e tecidos de cores diferentes. Guardei tudo na mala antiga que herdei do meu tio José [este tio me deu uma caixa de mágicas quando eu era criança e a mulher dele que abandonou o convento para se casar tornou-se visualmente a mulher mais exuberante que ainda povoa as minhas lembranças da infância - ela se apresentava como baronesa, tinha um sobretudo de onça, valise xadrez , óculos vespa e ainda desenhava girafas para mim. Hoje viúva se dedica a igreja Luterana na cidade do Rio].
A mala fica na sala. Se eu resolver ir embora, a mala de lembranças já está pronta.
Se lágrimas inundarem tudo, assim será mais fácil para os escafandristas.
O mundo não acabou. Percebi que no meu mundo algumas pessoas se perderam ou eu me perdi delas, o que é natural, mas as lembranças ainda flutuam em mim. Algumas estão aprisionadas no papel, outras nos poros e outras poucas, incineradas.
Sinto que outras pessoas queridas estão indo embora e que outras bem devagarzinho começam a chegar. Nada posso fazer. Só me resta cuidar do jardim.
É só o jardim que ofereço.
O jardim é interno, fica dentro de mim.
Agora outono, um dia, primavera.

18 comentários:

Anônimo disse...

Uau!

Que texto lindo... inspirado! Me identifiquei em várias partes.

E vc tem mais leitores fieis do que imagina! Tenho certeza... E pra nós é um prazer passar por aqui e provar desse 'mingau e sopa'! Um gosto sempre tão peculiar e intenso.

;)

Anônimo disse...

Surpresa mais gostosa!
Vontade de subir o que desce!

E cada vez que o vejo, vejo também o jardim, cheio de beijos azuis, anseios verdes, saudades cor-de-rosa, sorrisos laranjas, e olhares amarelos!

Que delícia de jardim!

Que delícia de coração!

Bjooooooo

Anônimo disse...

lindas palavras que me fizeram chorar neste dia nublado.

Quero te acompanhar no difícil caminho para o jardim.

' Cuidado com o que planta no mundo '.
estou enraizada no seu jardim.
porque te amo.

Anônimo disse...

minha irmã fez a propaganda e eu gostei! estarei por aqui se vc não se importar... que lindeza o momento de organização das cartas... fitas coloridas, mala do Tio José... lindo demais isso! torço pra que o seu jardim logo, logo, esteja na primavera! ;]

Anônimo disse...

a gaivota pode voar onde vc quiser!
;)

é o desejo e a imaginação que mandam!

e eu não sou agente coisa nenhuma! :P
hehehehehehe
eu apresentei, a responsabilidade de ela ter gostado não é minha... é total e exclusivamente sua!

ninguém mandou ter um jardim tão bonito! heheheh


bjoooooooooo

D. disse...

Ainda bem que vc nao escreve muito.
Dá tempo pra eu acompanhar sem remorso de ter perdido tanto.
Adorei a frase dos girassós.
Adoro girassóis. E adoro amarelo.
Ficou perfeito!
Tomei coragem (na verdade, de repente fez sentido) criar um blog.
Não tô divulgando. Tá no orkut.
Quem achar achou. Mas achei que deveria te convidar para uma visita.

bjo

de

«*Gabi*» 웃☆웃 disse...

Flavinho!
Fessor! (alias eterno né?)
è andamos perdidos nas coisas do passado...
pensando nos nossos jardins...

brigadu pela mensagem.
Hoje to vivendo mais o presente
mas a nostalgia , saudade do ontem q não morreu no coração ainda..
:(

bjinhos

Anônimo disse...

ai ai ai...
sempre tive vontade de dar um "alô" por aqui ou até mesmo na bobagem de vício do orkut... mas não tinha muito o que escrever, então estava esperando uma nova postagem... sim... sempre entro aqui procurando uma novidade.
Provavelmente está se perguntando quem afinal eu sou. Bom, nos conhecemos esse ano. Era para ser sua aluna, mas recebi dispensa da matéria... mas ainda nos encontramos... nos intervalos... quando estou saindo da aula e vc dando um passeio (talvez para um lanche) nas ruas próximas da uemg. Sempre um " Oi, tudo bom?!" e nada mais...
Bom... espero que tenha se lembrado quem sou... se não tiver, td bem... ainda temos tempo!
Então...... lembranças... outro dia tava fazendo uma faxina dessas por aqui... aí chegou um amigo e me disse pra tomar cuidado, " faxinas são boas, mas não podem se tornar muito freqüêntes". Eh... acho que eh verdade isso... nós precisamos mesmo das faxinas, mesmo pq é justamente nelas que "revivemos" algumas coisas... revemos partes nossas que ficaram escondidas e pessoas que foram levadas pelo tempo ou pela falta dele. Mas se resolvermos nessas faxinas retirar algumas lembranças por impulso (imagina se freqüênte!), podemos acabar ficando com a mala quase vazia...
Bom, nem era exatamente isso que tinha pensado em falar... queria só mencionar uma coincidência... ontem mesmo estava relendo algo +- assim... sobre nossos jardins...achei bonito... resolvi te mostrar...então:

"Segue teu destino.
Rega tuas plantas.
Ama tuas rosas.
O resto é sombra de árvores alheias."
(Ricardo Reis...uma das pessoas do Pessoa...)

Um abraço e um fim de semana repleto de brotos no seu jardim

Lua disse...

entao.. compra um colchao de ar. vc vai adorar.

Letícia disse...

Ei Flavinho! Que delícia esse seu blog... Sou mais uma fiel leitora daqui pra frente. :)

E essa cerveja que não sai, heim? Tsc tsc... Beijão!

Anônimo disse...

eita texto bonito...
e sim, eu sou um dos novos leitores fiéis de seu blog (já tenho lido desde quando você comentou no boteco, que por sinal já deveria ter repetido).

D. disse...

Bjo.

D. disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
D. disse...

Poema de aniversário

Aceite, meu amigo,
Este buquê de sentimentos clichês embalados em palavras inédiatas
Não são versos que se cheire, nem espinhos que se pise
Mas carregam o pólen de mil serendipities

Desfile feliz pela cidade ouvindo o comentário dos infelizes

- Ele é amado! Ele é amado!

Decore, meu querido,
Este poema de flores sacrificadas em tua homenagem
Não atraem borboletas e murcharão no fim da tarde
Que importa?
Só vais lembrar que és amado.
E o resto é bobagem.

Anônimo disse...

vai escreve mais... vai.
beijo.

Anônimo disse...

o anônimo acima sou eu.

miki w. disse...

flavito, adorei a imagem das velhas cartas amarradas com laço de fita (adoro laços de fita e velhas cartas, então, a combinação me pareceu tão linda...)

também adorei a imagem da mulher do seu tio josé. adoro tudo o que quebra regras, foge do normal, tudo o que, de uma certa maneira, zomba com aquilo que todos acham que vc deve fazer (odeio as cartilhas, rs).

bjs, miki

miki w. disse...

ah, sim, voltei pq esqueci-me de comentar dos escafandristas... aqueles que "virão explorar sua casa, seu quarto, suas coisas, sua alma, desvãos".

adoro essa palavra "escafandristas".

^.^ hihi bjs, miki